segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Metal nas entranhas

Metal nas entranhas

O show tinha acabado. Ele gostou. Na verdade ele adorou. Mesmo que a banda fosse do interior. Ele viajou. Era black metal crú.  Bem nórdico. Bem true. Tomava o resto da latinha já em caldo. A cabeça cabeluda latejava. De tanto bater no vácuo. Um amigo bateu em seu ombro.

"Ê, lôco, tamo indo pra casa do maluco, alí. Os coroa dele viajaram. Tem mêi mundo de cerva, lá. Vamo nessa?"
"Não. Vô vazá. Tu tá com a tua chave?"
"Tô."
"Falô. Vô pegá um moto-rela."

Chegou no apartamento. Tomou um banho. Não limpou a sombra borrada nos olhos. Gostava de dormir assim. A mórbida aparência matutina lhe agradava. Lhe inflamava o narcisismo grotesco. Comeu um resto de macarrão esquecido na geladeira. Foi para o quarto. Sem sono, ainda. Pôs um vinil do Marduk. Acendeu um cigarro. Deitou-se no colchão estendido no chão. Distraiu a vista no rodar do disco. Aos poucos, uma fumaça azulada começou a sair do centro do disco. Tinha o formato de um pênis. Ereto. Ele achou que o toca-disco estivesse queimando. A música continuava. Distorcida. Normal. Ele olhava o pênis esfumacento que ia se alongando. Cegando perto do teto. Ereto. Olhava sem ação. A forma fálica começava a mudar. Dando espaço à uma figura humana. Alta. Magra. Ereta. Era um homem. Jovem. Desceu do toca-disco. Lentamente. Tina um rigidez estranha no semblânte provocativo. Ele olhava espantado.

"Mas, que diab...?"
"Eu mesmo. O próprio."
"Como assim?"
"Ora, como. Desde tua adolecência que tu me canta. Me tenta."
"Eu nunca pensei que..."
"Mas, sempre me clamou, não?"
"Mas era só..."
"A vontade. Ela é foda quando profunda."
"Bicho, eu não tô acreditando nisso. É muita viagem."

Pegou  o celular. O amigo que dividia o aluguel tinham que ver aquilo. O estranho visitante estendeu a mão. De sua palma saiu uma rubra chama vermelha. Tinha a forma de um pênis. Ereto.

"O que é isso?"
"Conhecimento. É por isso que eu vim."
"Não tô sacando."
"Tu sempre levou um estilo de vida no qual me adorava. Resolvi vir aqui te dar conhecimento."
"Como?"

O visitante o pegou pelo braço e o virou de costas. Encostou-se por traz. Sussurrou. O bafo era quente e perfumado.


"Tu me adora realmente?"
"Pode crê!"
"Quer o meu conhecimento?"
"Quero!"

Nervoso, ele fechou os olhos. A curiosidade era quase infantil. sua cueca estava nos tornozelos. Não percebeu. Sentiu um leve vapor gélido lhe pressionando as pregas do ânus. As pernas começaram a tremer. O visitante o segurava firme. O vapor ia se alargando e esquentando. Tentou sair daquela experiência sufocante. Mas, o visitante o segurava firme. O vapor tornava-se denso. Materializava-se. Ereto. Lhe ardendo o reto. Entrava e saia com veracidade. As estocadas lhe vertiam lágrimas angustiantes.
Tentava gritar. Abafo. O quatro parecia esquentar como um forno de cerâmica. O som do toca-disco parecia aumentar, mais e mais. Marduk inalado com o gemido animalesco do estranho. Castigando seus tímpanos. O colchão ardia juntamente com suas pregas. As estocadas aumentavam a velocidade. Era como ferro em brasa rasgando seus músculos anais. Sentido a enorme extremidade roçando suas tripas.
Aos poucos, foi cessando aquele vai-vem lacinante. Caiu de joelhos. Sentiu uma forte rajada liguenta que escorria pelas coxas. Já não estava mais tão quente, ali. A dor lhe penetrava até a medula. O corpo todo tremia, tamanho era o trauma. 
O amigo chegava da tal festa. estava meio bêbado. Conversava sozinho. Abriu a porta do quarto e se deparou com uma cena lastimável; o amigo de quatro com o rosto enterrado no colchão. Chorando. Tremendo. Soluçando. Estava nu da cintura para baixo. A bunda magra apontada para cima. De frente para ele. O ânus vermelho. Melado. Um grotesco diafragma dilatado. Marduk continuava rolando no toca-disco.

"Caralho! Que merda é essa?" 
"O sangue de jesus tem poder!"
"O quê, rapá?"
"O sangue de jesus tem poder!"
"Como...? Que porra é essa...?"
"O diabo comeu meu cú!"       

sábado, 27 de novembro de 2010

Pausa para o lanche

Pausa para o lanche


"Cadê o cigarro pra misturá?"
"Tô parano de fumá cigarro!"
"Porra, arrochá essa brita na lata é foda. Tamo de serviço, jogadô."
"Pió. Vô comprá alí, na esquina."
"Demora não, porra. É sábado e tem muita ocorrência, nessa merda. Nós tamo vacilano."
"Calma, juvenil. É ligêro."
"..."
"Bóra, rapá, bóla logo essa merda."
" Que... que hora é aí?"
"Dez e mêa, porra!"
"Re... relaxa, moço. Tá tran... tranquilo. Pega."
"Cadê a tua... a muié?"
"Tá c'os minino lá  na casa da mãe dela. Sim,  e tu num vai passá a bola não, britêro?"
"Pe..peraí, porra!"
"Êita, buceta, o rádio tá chamano."
"Va.. vai lá logo."
"Num vai matá a parada não, nojento."
"..."
"E aí?"
"A porra duma ocorrêcia, alí, duns vagabundo que assaltaro um casal, parece."
"Ai ai ai."
"O cara assaltado é PM do Pará. Parece que apagô um meliante e tem ôto pra gente recolhê."
"Meu zóvo, mermo. Pega, fuma logo... Esses vagabundin roba qualqué merda só pra fumá pedra."
"Pi...pió que é. Vam... vamo lá."
"Porra, tu num dexô nem o restin pra mim!"
"Ahhh, jogadô. Vai te lascá. Tu fumô mais que eu."
"Tu num disse que tinha duas cabeça guardada?"
"Tu ainda qué mais, nogento?"
"Nã, moço, só tô falano. Bóra resolvê a merda lá."
"Parece que tinha ôto  elemento que fugiu. Num intendi direito, não."
"Era três e morreu um?"
"Parece que é."
"Vai fumá pedra no inferno, o nojento."



terça-feira, 23 de novembro de 2010

Lapada de mau gosto

Lapada de mau gosto

O cara estava meio que fudido e saiu de Imperatriz para tentar uma vida melhor em São Paulo. Recebera o convite de um primo da rapariga de um cunhado seu. Ele foi. Ao chegar na entupida metrópole, recebeu as boas novas de que estava marcada uma entrevista de emprego para ele numa pizzaria de um italiano qualquer da Moca. Ele foi. Chegou cedo no tradicional recinto. O gerente o recebeu.

"De onde você é, mesmo?"
"De Imperatriz!"
"Impera...?"
"Do Maranhão!"
"Do Mar... ?"
"É onde é a capital da  pistolage, onde o minino pulô da ponte e disapareceu e um cientista curandêro inventô uma pumada da cura  feita de graviola!''
"Ahhh, sim. Eu sei, eu sei onde é."


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A mesma "Ladainha"

 
A mesma "ladainha"

Ele estava sentado. Bem acomodado na cadeira de macarrão, de tardezinha, na calçada. Do lado da sombra. Sentia um leve cansaço latejante nas pernas. Não fizera nada em suas férias desperdiçadas. Só coçava os ovos assstindo o movimento da rua.
 Viu duas garotinhas vindo lá da esquina. À pé. Acompanhou a aproximação das duas. Uma era magrinha, vinha pela beirada da calçada. Meio alta, branca. Tinha o cabelo castanho preso. Vinha com um vestidinho fino e amarelo. A outra era um pouco mais baixa. Vinha pelo acostamento. Morena. Meio robusta da cintura pra baixo. Cabelos bem longos. Negros. Cortinando as costas nuas. Vestia um short de algodão branco. Bem curto.
 Ele recostou-se nos macarrões da cadeira. As formas das ninfetas já estavam bem nítidas no enquadramento de seus óculos cuidadosamente aprumados. Elas vinham dando pequenas gargalhadas.
Dois moleques vinham numa bicicleta, lá atrás. Rápido. Aproximaram-se delas, rápido. Ficaram rente a do acostamento. A do shortinho de algodão. O da garupa lhe desferiu um estalado tapa. Na bunda. Ele ouviu um estalo estridente de bunda se espalhando como ondas pelo quarteirão. Um estalo que lhe tirou a concentração. Os moleques gritaram de excitação. Passaram em sua frente.
 Por um  súbito impulso, ele rebolou a cadeira de macarrão no pneu dianteiro da bicicleta. Os dois caíram no meio da rua. Ele se aproximou. Pegou os dois pelo pescoço. Sua mulher saiu na porta com os filhos curiosos. Espantaram-se com a cena. O que é que tá conteceno?, perguntou ao marido com os dois gravetos pasmos  nas mãos. Esses bosta, aqui, que passô bateno na menina ali.
 Envergonhadas, as garotinhas voltaram pelo mesmo rastro em passos apertados. Soltou um e apertou ainda mais o pescoço do outro. O autor do feito “abominável”. Tu ainda vai fazê isso, moleque?, perguntou cerrando os dentes. Vô não, moço, respondeu engasgando-se com a resposta. O menino estava apavorado. Os dois tremiam. Larga ele. Tão pra se cagá nas calça, pediu a mulher com penosamente. Ele o largou dando-lhe uma bofetada na cabeça. Os moleques pegaram a bicicleta e disparam como um raio.
Acalmaram-se os ânimos. Entraram na casa. O  que foi aquilo, pai, perguntou um dos filhos. O moleque passô e deu um tapa na bunda da minina, vê se pode uma coisa dessa?! O sujeito tem que sê homi. É isso que eu ensino pra vocês todo dia. Os filhos fingiam ouvir a mesma “ladainha” de sempre.
Foi para o banheiro. Lavou as mãos. Sentou no vaso. Lembrou da morena. Baixou as calças. Começou a agitar o vai-vem. Lembrando o estalado da bunda que ecoou na rua. Acelerou o vai-vem no membro petrificado. Tentando visualizar a bunda se espalhando em ondas no seu imaginário. Tentando ouvir o eco da bunda se espalhando em ecos pelas paredes do banheiro banheiro.   

sábado, 13 de novembro de 2010

Unidos da Praça União

Unidos da Praça União

Depois do último e definitivo ensaio naquela manhã quente, todos estavam tomados por uma euforia embriagante. A Praça União nunca era a mesma no período de carnaval. Lambau, já suando o couro da testa, a toda hora trotava a passos largos da quadra da praça ao balcãozinho do Pêxe pôde com uma agonia assolando o juízo. Ê Lourival bota dois dedin de casca de laranja que minha flora intestinal sofreu um pequeno inchaço, disse dando três tapinhas no bucho de mampará. Na verdade ele estava preocupado com um possível erro do Josélio, o mestre-sala e Gracinha, a porta-bandeira, já que estes estavam entornando desde cedo.

Josélio não parava de abordar um à um ali presente perguntando se o sistema estava on line  ou off line. Era como uma formiga que vem no sentido contrário da fileira de formigas que vão trabalhando. Quicava incansavelmente com seu piseiro agoniado entre assovios e gemidos etílicos. Gracinha, nossa gloriosa porta-bandeira, abanava a quentura com um pedaço de papelão enquanto esfriava o fato com cerveja no balcãozinho do Lourival, degustando Alcione com carne de sol e farinha de puba. Chico do teatro a acompanhava em cerveja separada no seu sistema bico seco.

Porra, cadê o Miltão pra organizá o pessoal da bateria? Gritou o Lambas, precisando de mais dois dedinhos de casca de laranja. Nunca se via tanto menino fazendo zoada na praça, com confetes e papel mache. D’onde diabo sai tanto minino? Moooço, é o cão, mermo. Num tem diabo no mundo que dê conta de minino, resmunga Cosme empurrando uma dose de imbiriba e tirando o gosto com um Derby prata. Raimundo Abílio, o pêxe pôde pai, assava lingüiça e bisteca para os curiozeiros e jogadores de baralho que acumulavam latinhas de cerveja debaixo dos pés de manga e amêndoa. Cigarro, cigarro, cigarro, metralha Magal em todos os cantos da algazarra. Robério tomava vinho com o Maciel, o rei mômo, enquanto escovava seu velho traje de gala. 

A simpatia da grande Edinalva estava meio ofuscada por ter trazido tambaqui cozido numa panela para o seu Xexéu que se vangloriava bêbado com um enorme chapéu fedido para as menininhas por ter feito a letra do samba da escola. Ó quí, minhas lindas, fui eu quem compus essa obra de arte sobre os pescadores e o nosso farto Tocantins, dizia quase esfregando a barba enferrujada no rosto delas. E fui eu quem botô a melodia e vô puxá o samba, colocou o Boca de mel chegando por traz com a cara mais limpa tentando impor um galanteio mais ordinário ainda.

Umbora, minha gente, regia o mestre de bateria Miltão com os braços abetos em y e uma jinga bem malandra importada da lapa . A batida ecoava organizada com Camalião, Foba, Ivaldo cabecinha e os demais. Todos animadinhos com a mais nova madrinha da bateria, a estonteante Neta. Claudeci filava junto com  James, na surdina, o tambaqui cuzido da Edinalva. O finado Frederico abosava o Zé Alano  que dançava desconcertante, abraçado com seu buchão imponente.

Enquanto o Benzão, bem emputecido, era obrigado a ajudar a Jôsy com as fantasias, Lambau já encarcava de copo cheio a casca de laranja. Porra, Nenê, tu num foi atraz da Didi, não? Tô precisando dela. O Pedro Mário vai tá no júri e tu sabe que ele é nojento pra essas coisa, soltou o Lambas com perfume de casca de laranja embebedada. Peraí, doido, respondeu Nenê indo descarregar no mictório. O ânimo da mulecada ia se tornando morno, anunciando o sol baixo adentrando a boca da noite. O desfile estava próximo. A Praça Tiradentes já começava a lotar de  foliões.













sábado, 6 de novembro de 2010

Barras circulares

Barras circulares

Oito e meia da noite. Esquina meio escura. Tranqüilidade. Um bar no meio do quarteirão. Bicicletas escoradas na calçada alta da esquina. Barras Circulares. Duas. Lado a lado descansando. Pequena moita de silhuetas conversando. Nada demais.

- Ê, doido, vamo fazê uns e ôto, mais tarde?
- Pió!
- E tu, lôko? Tá calado aí, já tem umas zora. Umbóra?
- Nã, dêxe quéto. Tô cum um isquema duma gata lá na praça.
- Ahhh, muleque. Quem é?
- Né do cetô, não. É lá do coléjo.
- Sim, doido. É jogo rápido. E ainda tu vai tê o doido pá gastá cum a gata.
- Pió. Que hora?
- Mais tarde. Tá cedo ainda.

Nada demais. Silhuetas conversando. Lingüiças sendo enchidas na esquina meio escura. O casal de Barras Circulares em repouso. O bar no meio do quarteirão. Vomitando a já entojante “fazer o ‘P’”. Muitos Derbys do Paraguai já se foram. É nove e vinte.

- Vô pegá o ferro lá no quintal. Vamo apurá a diária pra comprá umas cabeça. A fissura já bateu.
- Demora não. Senão a mãe sai e começa a imbaçá.
- Aquela véa num dorme cedo? 
- Sim, porra, tá quase na hora da gata ir pá praça, também. E eu quero fumá uma cabeça primêro, pá ficá viajano nos peitin dela.
- Peraí. É rapidão, moço.

Quase dez. Barras Circulares tabalhando. Vagarosas pedaladas. Um em uma. Dois na outra. Olhos esbugalhados. Atentos a qualquer falta de respeito. “O povo já deve tá saíno da facudade, maluco”. Calor crescente. Suor escorrendo pelos braços. Molhando as mãos. Encharcando as luvas do guidão. Casal vindo pela rua. Abraçados. Tranquilidade. Situação estudada facilmente. Barras Circulares parando.

- Bóra, caralho. Cartêra e celulá. Ligêro, ligêro!
- Calma, jogadô.
- Que porra de jogadô, vagabundo. Passa as parada ligêro, merda.
- Pega da minina também, doido.
- Calma, calma. Agente vai dá de boa.
- Pois umbóra, caralho.
- Tá oiano o quê, muié?
- Passa logo esse otário, rapá.
- Calma, amigo. Tá tudo aí.
- Passa fogo nor dois.
- Vamo, vamo vazá.
-Num óia pra mim não, féla da puta.

Barras Circulares trabalhando. À todo vapor. Mãos tremulas. Adrenalina em danação. Casal respirando fundo. Mulher chorando. Tremendo. Namorado puxando um 38 do cóis da calça. O alcance ainda é bom. Barras Circulares trabalhando. Celulares e carteiras com o passageiro da garupa. Eco de um pipoco ao longe. Choque instantâneo nas costas. Um choque fino e penetrante. Mão levada às costas. dedo médio encontrando um pequeno buraco úmido. Barra Circular desequilibrando. Os dois caindo. O terceiro sumindo. sem olhar para traz. A  boca do  piloto de fuga se espalha no asfalto. Sangue, areia e um dente solto na boca. Tenta se levantar. Em vão. O cano do 38 já está em sua testa. Recebe um tapa no rosto. De mão aberta.

- Qué robá pulícia, caralho? Vô te dá um tiro na cara, nojento.
- Não cara, num atira, não.
- Bota a cara no chão, porra.

Respirando areia. O rosto suado no asfalto cheio de areia. Olhando o passageiro da garupa deitado. Um vermelhão nas costas. Empapando a camisa branca. Se mexendo lentamente. Procurado sentido naquilo tudo. Procurou o outro. Nada. Um carro para quase em cima. Pineu rente ao rosto. sentindo o cheiro do pineu queimado. A quentura do motor rosnando. Vários coturnos estralando no asfalto. Os braços sendo puxados pra traz. Algemas frias apertando os pulsos. Carregado de qualquer jeito. Rebolado no camburão. Sentindo o calor e o cheiro de sangue do passageiro da garupa. Silhuetas fardadas fechando a porta. Escuridão. O passageiro da garupa não se move, mais. só cheiro de sangue e silêncio abafado. Chora.

Barra Circular trabalhando ao máximo. Os para-lamas tremem cortando a quietude da madrugada. Ele já olha pra traz sem parar. Coração tamborila como maracatú frenético. Passa pelo bar do meio do quarteirão. Conhecidos bêbados aporrinhando o proprietário. A velha saideira. Passa direto. Olha o calçada alta. Diminui a velocidade. Em frente a sua casa. Imagina a mãe dormindo. Embrulhada no  fino lençol. aperta a pedalada. Passa direto. O suor lhe arde os olhos. Lembra da gata do colégio. Visualiza ela esperando no banco de cimento da praça. Tenta imaginar o  leve cheiro de sabonete nos pequenos peitos dela. "Era pra mim tá de boa chupanno os peitin", pensa. Pensa no pipoco lá atraz. No que está acontecendo. Pensa em vários absurdos enquanto some nas vielas do turvo.

Camburão sendo aberto. silhuetas fardadas. Carregado de qualquer jeito. Várias pernas zanzando. Luminosidade forte. Jogado de qualquer jeito. Passageiro da garupa não é tirado do camburão. Deitado no chão. Escrivão com cara de nojo. Pessoas passando. Ignorando. PMs aglomerados. Uma mulher brojando no balcão. Chorando. Um reporter noturno. Em busca dos fatos para o café da manhã. Se aproxima. Microfone roçando a boca inchada. Empueirada. Ensanguentada.  Luz forte esquentando sua pele suada. Cinegrafista sugando a agonia.  Porta entreaberta no corredor. Delegado cochilando na cadeira empenada. Sonhando com reporterzinha que se enrroscou no cano curto de sua arma.