segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Fogos de artifício

Fogos de artifício


O sonho que tive? Hum... Tem lá sua beleza ímpar em meus sentidos. Mas, tudo bem, irei contá-lo, seus cretinos. Eu voava em minha moto cujos peneis eram de couro espesso recheados de carne dura e viva. Dobrei a esquina da Praça União e avistei todos sentados ao lado  de uma macieira que pingava maçãs no tira-gosto da mesa dos meus. Desci da moto e sentei ao lado da pistoleira Vivi. Keninha amaldiçoava Helton por querer partir. Bebemos uma cerveja amarga que parecia energia ao correr em nossas gargantas.
Rairon, o que foi moldado com uma marreta rústica, Explicava a reação de uma menina ao comer sua farofa de frango que estava guardada em sua mochila havia quatro dias. Luís chegou logo depois de Machado, o defensor. Pediram uma dose de urina do demônio para amaciar o motor estomacal. Cabecinha retornou para o inferno de onde saíra, o recém casal de amigos amantes foi para o país dos espelhos, o templo do Pêxe Pôde se fechou e todos nós fomos para a inauguração de um underground recito.
Ao chegarmos, pudemos avistar enormes águias reais estacionadas. Eram brancas de cabeças e pescoços negros. Estavam amarradas e seladas em fila. Esperavam seus donos que se embriagavam lá dentro. Lá dentro! Entramos e o bar era uma comprida rodovia letal de asfalto quente. A rodovia cortava todo o estado do Arizona indo morrer em um palco onde um Chacal tuberculoso vomitava J Quest. Sentamos na beira da pista e garçonetes com patins de quatro rodas nos veio servir cerveja com suas bandeiras norte americanas estampadas no ombro esquerdo.
Não estávamos à vontade ali. Nossa casa não era ali. Tivemos a idéia de acionar, através do velho código de Morse, meu soldado Acriano Josafá El Chancho. Não demoro, ele disse tossido. Levo o quê para vocês?, ele perguntou calmamente. Traga apenas um bimotor. Só isso já basta. Traga o Boeing 66. A ocasião requer algo mais especial, interviu, Luís com olhos brilhantes. O Boeing 66? Isso vai ser lindo, então. Em 20min estarei pousando.
20min foi o tempo de tomarmos mais duas cervejas, fumarmos um cigarro e entrarmos no carro. Pra onde iremos?, perguntou Natália. Para o Flutuante Mestre Rosa, na Beira Rio, respondi com o dedo no nariz. El Chancho, o meu soldado acriano, pousou seu enorme avião de cabeça na rota que corta o Arizona. O impacto pegou um depósito de botijões de gás que pegou os tanques de nitrogênio da calçada do Socorrão. A explosão foi tamanha que metade do centro da cidade foi para os ares.
Nós contemplamos tudo no para-peito da parte de cima da proa do Mestre Rosa. Natália apertou minha mão ao notar um filete de lágrima que escorria em minha face. Ela não ousou enxugá-lo. Ela sabia que eu estava feliz. Ela achou belo o reflexo do fogo que ardia em minha lágrima. Ouvíamos música enquanto contemplávamos as chamas queimando a cidade. Ouvíamos Wagner. Ouvíamos A Cavalgada das Valquirias.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Energia das pedras

Energia das pedras

O ocidente e seu facetario capitalismo sempre me impressionam. Enquanto eu fazia lingüiça no açougue de casa, Ana Loura Maria José apresentava um quadro sobre a energia das pedras. O palco, dessa vez, era um consultório onde uma madame se encontrava deitada numa cama e a terapeuta espalhava pedras preciosas por seu corpo. E que lindo aquilo. Era cada pedra linda de deferentes formatos e cores.

Era uma imagem que resvalava espiritualidade pelo balcão de mármore e pelas carnes retalhadas de nosso querido açougue. “... e eu sempre gostei de jóias”, explica a madame. Claro que ela gosta de pedrarias preciosas. A senhora já está farta de não fazer nada em seu aconchego, a cachorrinha branca está tosada, os filhos estão entupidos de bananinha maçã amassada no leite em pó integral, o marido lhe dá um cartão de crédito gordo e as amigas lhe parecem mais jovens.

“O que eu devo fazer pra levantar minha auto-estima burga?”. Ora, tem uma terapia elegante, cara e sem esforços: A terapia das pedras preciosas. Ametistas, Turmalinas, Safiras e o diabo a quatro. Um detalhe importante é que cada pedra tem uma função em sua saúde e bem estar. Mas, se não der certo, e eu acredito que não dê, mesmo, conheço outra terapia com pedras que causa um bem estar instantâneo e até emagrece com uma rapidez descomunal. Basta ir a Cracolândia mas próxima de seu bairro.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Asfalto quente


Asfalto quente

Um palmo de língua pra fora
Do cachorro que procura a sombra
De um pé de Jorge Tadeu salvador.
Celulites convidativas
Espremidas em shortinhos coloridos
Queimando sob o abafado selim
Da bicicleta que desce veloz.
O pneu careca esfumaçado
Rolando por cima do gato
Que errou o tempo da travessia.
Seu espinhaço torto
Terminando de bolar na quentura,
Correndo de “revestrés”
Rumo ao PVC que serve de escape
Para a água da chuva que não vem.
O menino com a frauda na cabeça
Cochilando no ombro da mãe que derrete.
Um cuspe branco disparado em bala
Efervescendo no meio-fio
Pela ausência de tira-gosto.
Um cavalo com o lombo brilhoso
Puxando a carroça de dois insetos suados.
O sol refletido no retrovisor
Da reluzente Ranger
Radiando o rosto de Renatinha.
A caçamba que segue fervilhando
Numa imagem cozinhante
No limite horizontal da visão.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Grupation seletation muito caration

Grupation seletation muito caration

Quando eu era menino, pequenininho, eu queria ser metaleiro. Confesso que achava massa toda aquela estética metaleira. Ante-ontem eu estava em um evento metaleiro. Foi divertido. Lembrei de minha juventude e constatei: Ser metaleiro custa caro em Imperatriz, tanto pro homem quanto pra mulher. Digo isso quando se quer ser um membro seleto de metaleiros seletos. Você tem que comprar alguns adereços indispensáveis para se infiltrar no seleto grupo de metaleiros seletos.


Espartilhos de couro negro evidenciando a fartura dos seios - ou pelo menos tentando levantá-los, jaquetas cheias de correntes sadomasoquistas, meias-calças bem ornadas, imensas botas estilo Blade o caçador de vampiros, calças de couro espoca ovo, vestidos saidos de figurinos dos filmes 3D do Tim Burtom e por aí vai. Tem que cuidar do cabelo e isso gasta muito. É um saco. Não gosto de cabelo. Mas, tem que ser. Com um cabelão bem cuidado você fica mais metaleiro ao balançá-lo como um calango na beirada do palco.


Há, também, a questão dos cintos com balas e das camisetas. Acho que você tem que adquirir o máximo de camisetas de bandas desconhecidas. Quanto mais desconhecida, mais respeito você adquire. Não basta ter só do Iron Maidem, Metallica ou do não sei o quê Death. E isso não se vende aqui na Imperosa. Tem que comprar na internet e é caro. Mas, tudo bem, se você se propõe a ser um metaleiro seleto que irá fazer parte de um seleto grupo de metaleiros seletos. Isso quer dizer que você tem grana pra pegar um vôo pra Brasília e fazer compras em shops especializados em adereços de metaleiros seletos.


Existe uma outra problemática à cerca do fato de se não poder fazer parte desse seleto grupo; metaleiro que não faz parte desse seleto grupo não pega mulher. Isso é fato consumado! Tem que estar nesse seleto grupo com todos esses apetrechos e trejeitos, se não, terá que pegar emprestado a ideologia punk e "fazer você mesmo". Isso significa que você terá que ir na loja Marisa comprar uma jaqueta jeans de R$ 49,90, arrancar as mangas, enche-la de estampas do Eddie, bater cabeça, beber até cair curtindo seu pen drive cheio de poder e se contentar com a velha punheta no dia seguinte.

sábado, 23 de abril de 2011

Pizza e "facada" na madrugada

Pizza e "facada" na madrugada


Compraram os ingressos antes? Não? Tudo bem. É só trinta conto, agora. Ainda não dá pra sentir ela entrando no rim. Entrem e sentem-se. Por virem cedo, peguem uma mesa boa, de frente para o palco, mas, cuidado! Na ala direita tem uma fita vermelha lhe impondo um apartaide. Você não pode passar, não possui a pulseirinha vip. Pronto, já podem sentir o frio da lâmina passar pelo lombo e roçar o rim. Relaxem, peçam um balde de "Rainequím" gelada e curtam o CD do Pilantropic... Ô! Pilantropia, enquanto a banda Pilantropia não sobe no palco.

Dêem uma olhada pelo ambiente "aconchegante", espiem as garotas de maquiagem igual, decotes iguais, penteados iguais, pernas, bundas, tatuagens iguais. Peçam uma pizza de frango com catupirí e bebam com moderação, pois a cerva custará por volta de seis reais a unidade. Tudo fica registrado naquela maquininha do garçom.

A casa já está entupida e o calor "humano" começa a abafar o recinto. Já houve um número de facadas consideráveis nos rins, o CD da Pilantropia é retirado para dar espaço a apresentação ao vivo da Pilantropia. Bela execução, convenhamos. Bela performance do vacalista com sua calça retentora de peido. Bela execução do guitarrista a lá Calcinha Preta, com sua chapinha-metal.

As horas passam, assim como os gaçons com suas bandejas a atender as demandas. E que demandas. Demandas peculiares. Mesas que pedem cerveja num longo "copão" que vai de encontro ao céu, onde, na extremidade de baixo há uma torneira, onde pode-se notar inscrito na testa desses clientes: "Vejam onde bebo minha "Rainequím". Bebo num imenso copão por ser desprovido de pau". Mas, se quiserem se "amostrar" com mais decadence avec elegance peçam para o garçom trazer na bandeja uma garrafa de Red Label com um daqueles pé-de-moleques dos grandes, aceso, amarrado no gargalho.

Pilantropia já vai esgotando o seu repertório e o Lobão não chega. Já começa a tocar aquelas músicas românticas que as empregadas domésticas costumam ouvir num radinho pendurado na bateria de alumínio, enquanto lavam a louça, apaixonadas por seus "cumelões". Em meio ao começo da impaciência do povo, a tagarelice de um loc-roborzinho, dos metaleiros na beira do palco, aglomerados junto ao guitarrista Calcinha Preta, de braços estendidos rumo a sua guitarra como um bando de leprosos que necessitam tocar o manto de Jesus, ao cheiro de frango com catupirí, o vocalista pilantrópico despeja um discurso anti-drogas, e a união da família. É aplaudido pelas famílias unidas em volta de uma enorme pizza. Após os aplausos o vocalista canta Bichos escrotos dos Titãs. Pilantropia já repete o seu repertório e o Lobão nada.

Pilantropia já não pode, mais, continuar. O coro "Lobão, Lobão" já vai se tornando agressivo. Descem do palco e o som mecânico entra em cena, novamente. Metallica, dessa vez. Load e Reload. A faca já está quase toda dento dos rins. Mais algumas horas passando. Recebemos informações de que Loooobãããão já está aqui em Immmmperatriiiiz, tagarelava algum loc-roborzinho, em nome da casa. Lobão, Lobão era o que gritavam com frequência. Load e Reload do Metallica era o que se ouvia com frequência.

O povo já começava a ir embora. A confusão  era crescente na portaria. Devolução de ingresso, se não, haverá processo, caralho! Muitos se foram, esfaqueados no rim. A madrugada avançava, Metallica não parava e meu vinho já se esgotava. Sim. Meu vinho que comprei no Pêxe Pôde, pus em umas garrafinhas pet e escondi na bolsa de minha garota. Não queria sentir o gélido amargor da facada em meu rim. Mas, na minha última garrafinha pet de vinho, ele apareceu.

Ele apareceu, meus irmãos. Ele. Com suas 50 sextas-feiras da paixão nos couros ele subiu no palco. Explicou o porque da demora. Dos percalços da viagem de ônibus da banda, de sua vontade de cantar aqui, na Imperosa. Não precisava se desculpar. Ele é o velho lobo. Não precisava. Foram poucas as pessoas que o viram. Melhor assim. Ficou mais seleto. Mais Rock and Roll. Ele subiu inteirão, e rasgou o seu  uivo. Mesmo levando alguns choques nos lábios, ele rasgou o seu  uivo. Pizza e facada na madrugada. Estava amanhecendo. Eu lacrimejei, meus caros, em A vida é doce, terminando de beber meu vinho que comprei no Pêxe Pôde e levei para lá clandestinamente. Fazer o quê, não? Vida bandida. Foi lindo o amanhecer. Mesmo ele cantando alí.    

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Verdes férias

Verdes férias

Eram quase sufocantes as ansiedades e expectativas para André de apenas nove anos. Finalmente iria sair de férias para conhecer a terra natal de seu pai. Nunca, em seu curto tempo de existência, havia saído de sua concreta cidade parafernal. Não conhecia outro ambiente senão o amontoado de carros, pessoas e prédios de São Paulo. Dessa vez a gente vai,  nessas férias. Consegui juntar um dinheiro bom pra gente passar uns dias lá em casa, disse o pai umas duas ou três vezes para ele e sua mãe.

Imperatriz. Para André esse nome era um grito vibrante que ecoava em todos os cantos de seu imaginário. Desde que se entendia por gente, o pai lhe contava histórias absurdas e fantásticas de sua infância e adolescência. Dos amigos incomuns, das traquinagens, das brigas no campinho da praça em frente de casa e das surras que levava em casa por brigar na rua. Se você fosse brigar na rua, era melhor bater, pois, se apanhasse lá, iria apanhar em casa, também. E era com cipó de goiaba,  explicava o pai sorrindo.

Na noite da véspera da viagem, André não conseguia dormir. Havia um turbilhão rodopiando em sua cabecinha. Levantou-se, olhou suas malas prontas, abriu sua mochila, fechou, foi até a cozinha, tomou um copo d'água, deitou-se novamente. As histórias do pai lhe tomaram como fleshs vivazes. Nelas, projetava o pai ainda criança - pelo menos tentava. Imaginava seu pai pequeno, jogando bola, brigando com algum colega de olhos cerrados, apanhando do avô com um cipó de goiaba. "Nossa, cipó de goiaba. Deve doer paca", pensava enquanto se revirava na cama. Sua mente vagou por cantos e situações, por fantasias bem ornadas com base nas memórias do pai. Por fim adormeceu sem notar.

Chegaram cedo na rodoviária. Embarcaram em cima da hora. O trânsito até lá fora sôfrego e regado a uma interminável garoa pertinente. ajeitaram-se em suas poltronas e partiram. Quando que a gente vai chegar lá, mãe?, perguntou baixinho. Seu pai disse que é uns três dias de viagem, respondeu a mãe com um ar de lamento. "Como é longe", pensou olhando pela janela as pessoas que ficavam pra trás com suas capas de plástico e guarda-chuvas numa paisagem cinza e rebuscada. Horas depois veio a impaciência pela monotonia de não fazer nada, ficar parado, sentado ouvindo o incessante barulho do motor do ônibus. Pegou o celular e abriu um dos jogos. Jogou todos até a bateria descarregar.   

Em certo momento da viagem, André despertou de um sono meio pingado. Pôs a mão na nuca, pressionando-a com força enquanto se espreguiçava. Dormira de mau jeito. Quando se virou para a janela, pode ver um céu azul sem nenhuma mancha branca. Viu vários pontos brancos pastando, espalhados numa enorme extensão verde. Olha, mãe. Olha aquilo, gritou, puxando a manga da blusa da mãe que cochilava ao lado. Cê não sabe o que é aquilo, não?, perguntou a mãe. É boi? Nossa, mas tem muito, soltou, esbabacado com a paisagem  que via. O pai sorriu contente com a surpresa do filho.

Chegaram tarde da noite em Imperatriz. Acorda, rapaz, disse o pai batendo de leve em suas pernas encolhidas na poltrona. Ele despertou meio espantado, esfregando os olhos pesados. Olhou pela janela algumas pessoas dormindo sobre malas e mochilas, outras dormindo sobre papelões ao pé das velhas colunas de uma rodoviária calma, suja e melancólica. Olhou do outro lado e viu uma fila de banquinhas velhas de madeira cheias de enormes panelas e pequenas televisões penduradas, pessoas sentadas em volta, de ombros caídos e cabeças voltadas para seus pratos esfumaçantes. O que é aquilo, pai?, perguntou intrigado. É a melhor comida do mundo. Depois eu te levo pra provar. A esposa o olhou com o canto do olho. Cê vai dar essas comida de rua pro menino?, reclamou com rigidez para o marido. Oh, Angélica, não começa, tá?! Pegaram um táxi,  cansados e aliviados.

Ao chegarem em frente a velha casa, um senhor de uns sessenta e poucos, meio corpulento, abriu a porta para recebê-los. É seu avô, disse o pai que abaixou-se e sussurrou em seu ouvido. Ele ficou meio que atrás do pai, passando o braço em volta de sua coxa. Estava envergonhado. O pai pegou em seu ombro e o puxou de leve de encontro ao avô. Pede a bença pro seu vovô, pediu o pai com suavidade. Sem jeito, ele estendeu a pequena mão que se perdeu na pedrada mão do avô. Não pôde deixar de pensar no cipó de goiaba. O velho o suspendeu subitamente a altura dos olhos para olhá-lo direito. Rapais, tu é bonito. Parece com tua vó, disse olhando pro filho. 

Todos se abraçaram. Houve lágrimas de saudades por parte da mãe que preparou um café pro filho e sua nora. Conversaram sobre a viagem, sobre como e cidade cresceu. Conversaram até tarde. André já dormia a essa altura. Dormia no antigo quarto que o pai deixou. Os pais dormiram no quarto dos avós e os avós dormiram em redes estendidas na sala. Assim ficou combinado por insistência do velho.

Na manhã seguinte, André acordou por volta das dez e meia. Compensara os sonos perdidos no ônibus. Abriu os olhos e estranhou as telhas envelhecidas. Nunca havia dormido numa casa sem forro. Não queria se levantar. Tentou dormir mais um pouco. Virou-se e viu uma janela de madeira trancada por ferrolhos enferrujados. Levantou-se e a abriu. Ela dava para um beco meio largo que dava para a parede de outra casa. Na parede havia outra janela aberta. Dela emanava uma música velha e ininteligível. Passou os olhos pelo beco de ponta a ponta. O piso era esverdeado pelo lodo seco. Reconheceu a avó na ponta do beco que dava para o quintal. Ela estava jogando umas sacolas de lixo numa bacia de plástico. Ela avistou sua pequena cabecinha para fora que rapidamente recolheu para dentro como uma tartaruguinha. 

Sua mãe entrou no quarto com um copo de café com leite. Toma, filho. Toma e vamo na pracinha. Ela é bonita e cheia de árvores. Tem um campinho de areia e uns balanço, disse a mãe esperando ele terminar com o copo. Onde que tá o pai?, peguntou calçando os tênis. Foi na Feira com seu avô. A praça ficava em frente a casa. Não havia ninguém, mas, ela era, mais ou menos, parecida com o que ele havia projetado em sua mente. Cheia de árvores das várias espécies, a praça era meio arredondada. Suas bordas possuíam um tapete de grama já para ser aparada. Um enorme banco de cimento rodeava seu centro arborizado. Pôde ver uns balanços e um escorregador velho sobre um espaço circular de areia rodeado por outro banco de cimento. 

A mãe sentou-se no banco e se pôs a olhar, de cima a baixo, um enorme pé de amêndoa em sua frente. André sentou-se em um dos balanços e o fez girar em velocidade consigo vendo as árvores passarem como um filme acelerado. Ficaram assim, sem dizer nada,  ouvido a algazarra melódica dos pardais. Dentre o canto dos pássaros,  havia um que o fez apurar os ouvidos. Era um canto diferente. Mais afinado e bem mais trabalhado. Parecia ser a melodia do hino nacional. Ele ficou intrigado. Procurou nas copas, nos galhos, levantou-se e procurou até onde a vista alcançasse. Não encontrou o dono daquele canto que o chamara a atenção. Pensou em perguntar a mãe, mas, ficou calado no balanço só ouvindo. Viu a avó olhando-o pela janela da frente. Ela sorriu pra ele com ternura, ele devolveu com um sorriso introvertido.

O pai chegou com o avô e algumas sacolas com frutas, verduras e peixe fresco. Deixaram as sacolas na mesa da cozinha e deixaram as mulheres fazerem o resto. Pegaram duas cadeiras de macarrão e foram para a praça. André foi atrás. O avô puxou conversa com ele sobre como ele andava na escola, se estava gostando de estar ali. André disse que sim e aproveitou para perguntar sobre algum pássaro que ele ouvira cantar de forma diferente. O velho pôs a mão em seu ombro e apontou com a outra para uma casinha toda solta perto da deles.

André seguiu a indicação do avô e avistou a casinha solta. Em frente tinha um pequeno pé jambo e em um de seus galhos havia pendurada uma gaiola contendo um imponente pássaro. Foi aquele alí que tu ouviu, disse o avô. Que pássaro é aquele?, peguntou. É Chico Preto, é pai?, adiantou o pai do menino. Não! É um Currupião. É do véi Vicente. Se lembra dele não?, perguntou o velho a seu filho. Lembro sim. Ele sempre gostou de criar passarinho. Eu me lembro que ele matava os gato tudo da vizinhança. Matava? Por quê?, perguntou André com olhos curiosos. Pra não chegar perto dos passarinho dele, repondeu o pai sorrindo. Ele matava como?, perguntou tentando entender aquilo tudo. Matava com chumbinho. O que é chumbino...? É veneno de rato. 
    
Vai lá vê ele, disse o velho ao André. Mas, num pega na gaiola, não. O Vicente é injoado com o diabo do passarin dele. Ele levantou-se, atravessou a rua e chegou perto. Era um belo corrupião. Comia uma lasca de maçã. André encostou mais o rosto e ficou fascinado com a vibrante coloração amarelo-alaranjada no peito do pássaro em contraste com preto que ia de sua cabeça, passava pelas costas e se estendia por sua empinada calda. O pássaro parou de comer e o olhou de lado. Tinha um olhar penetrante, o globo ocular se movia rapidamente como se o analisasse de cima a baixo de forma zombeteira. Girou a cabeça e voltou a bicar o pedaço de maçã com seu longo e afinado bico de lança. Parecia que André já não existia mais, ali.

Numa tarde de sábado, André estava sentado na janela da frente olhando uns garotos jogar bola no campinho de areia. Achou graça quando um dos meninos pôs toda a força que tinha para chutar a bola, errou o chute e chutou o vento. Foi tão forte que a perna foi para cima e seu corpo caiu na areia. Todos riram a gaitadas. Vai lá jogá, com eles, pediu a avó que estava sentada no meio-fio da calçada. André já se sentia em casa, aquela altura. Por quê não? Pensou. Sentiu-se encorajado a ir, mas, ouviu o canto do corrupião a três casas dali. Permaneceu na janela a prestigiá-lo.

O velho dono do pássaro saiu de dentro da casa e abriu a portinha da gaiola, pegou-o no dedo, deu um beijo na ponta de seu bico e o pôs numa galha. O corrupião cantou um pouco mais e voou para a copa de uma imensa árvore no meio da praça. André ficou encabulado. Não entendera a atitude do velho que entrou na casa sem preocupação alguma. Saltou da janela e ficou olhando a gaiola com a porta aberta, depois se dirigiu à avó peguntando o porquê daquele ato. Calma, bebê. Ele vai voltá. Só foi dá uma volta por aí. Quando ele tivé fome ou sono ele volta pra gaiola. De vez em quando o véi Vicente solta ele pra dá uma voltinha, explicou pacientemente, a avó enquanto passava a fina mão nos cabelos da parte de trás de sua cabeça. Ele resolveu que iria esperar. Esperou até anoitecer e o corrupião não voltou. Foi dormir com isso na cabeça. Onde ele tá, será? Se perguntou até cair no sono.

Acordou cedo, no dia seguinte. Não quis tomar café. Recusou o convite para ir a feira fazer as compras de domingo com os pais e a avó. Foi para a calçada. Viu o corrupião no galho de jambo e seu dono sentado em um tamborete limpando a gaiola. Ficou contente ao revê-lo, levantando uma das asas para coçar as costelas com o bico. O velho pôs sua água e sua comida na gaiola, em seguida o pegou pelo dedo e o pôs dentro. Pendurou a gaiola no galho, entrou na casa, saiu com uma bicicleta, trancou a porta, montou na bicicleta e dobrou a esquina.

Sentou-se na calçada esperando o pássaro cantar. Olhou para a praça vazia. Pôde sentir a satisfação dentro de si que se espalhara por todo o seu corpo. Não queria ir embora dali nunca mais. Levantou-se e foi até a gaiola. Estava alta para ele. Queria ver o corrupião de perto. Pegou o tamborete, olhou ao redor e não viu ninguém. Subiu no tamborete e esticou os braços. Só a ponta dos dedos conseguia tocar na gaiola. Esticou mais ainda. Ficou na ponta dos pés. Conseguiu pegar a gaiola, os pés escorregaram. O couro do tamborete era liso, tentou se apoiar para não cair. Apoiou-se na gaiola e caiu junto com ela. Com a queda, seu peso pressionou o tamborete de forma que quebrou a gaiola. Levantou-se de um susto e viu que o pássaro agonizava com o bico despedaçado embaixo de uma das pernas do tamborete.

Sentiu um golpe súbito que fez seu coração acelerar. Todo o seu corpo esmoreceu e gelou. Saiu dali em disparada, sentou-se na calçada dos avôs, olhou para o corrupião ali se debatendo, no meio da calçada, até estufar o peito luzente, aspirar em pequenas borbulhas de sangue e ficar imóvel. Levantou-se, foi para o beco, sentou-se embaixo da janela da casa ao lado. A mesma música ininteligível saia de lá. Pensou no cipó de goiaba, nos bois pastando. Queria estar lá no pasto, deitado olhando os bois. Encolheu-se, mais ainda. As mãos estavam frias. Chorou com força,  em silêncio, sentindo um aperto agudo dentro do peito.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Mais um pouco de caricatura para um anônimo

Mais um pouco de caricatura para um anônimo

Enquanto que, um Pós-Doutor químico, daqui, é taxado de cientista louco e curandeiro xamã, em uma cidadezinha do interior do Maranhão, um vereador é preso por participar de uma quadrilha de assaltantes de bancos, em uma outra que carrega o nome de duas frutas, eu acho, o evento mais notório do ano (ou em anos) foi a inauguração de uma cadeia cubicular, onde teve a banda municipal com seu militar traje vermelho a rigor, povo batendo palmas, prefeito cortando a tradicional tira simbólica, tudo coberto pelo sistema Mirante de comunicações, um conhecido escrivão da civil, metido a mocinho de faroeste limpinho, no último carnaval, tem sua arma tomada, leva umas bordoadas e ainda tem sua cuidada cabeleira puxada por um PM do Pará, um jornalista, daqui, acusa um vereador, também jornalista, de fazer merda e com a merda espalhada, o vereador jornalista ameaça dar uma surra de cinturão no companheiro jornalista, o Rio de Janeiro é palco de mais uma moda dos retardados norte-americanos e eu, cabeça de indecência, aqui, dando milho para as galinhas, sentado no Mustang Drink's, assistindo uma obesa dupla de sertanejo cuniversitário cantando uma música do Balão Mágico (ou Trem da Alegria?), tomando uma cerveja e esperando o sono me enxotar para casa.