sábado, 28 de agosto de 2010

Das flores e dos botões

Essa lapada, aqui, é a pedidos. Não pude resistir aos pedidos dos meus perversos leitores masoquistas. Lá vai. Sintam a lapada:


Das flores e dos botões


Minha jeba despenca e em tua vulva adentra.
Minha rola robusta rebola em tua bunda
rufante e fedida,
ardendo em ferida;
canal contundente,
convulso e crescente.
Anal sepulcral que comprime meu pau.
E essa xota vermelha!
Melada centelha.
Caverna carnuda,
profunda, raçuda,
guerreira, garrida,
garganta florida.
Esfrega tão louca. Espalha em minha boca
um suco ardente,
salobo e bem quente.
Alterno um pouco
no ocado brioco.
Com muito cuidado
desfiro o cajado
no olho enrrugado
que pisca exaltado.
  Portanto digamos,
o quão é macio
 o mais belo funil
 que é um bom ânus.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A solidão da rua

A solidão da rua


Em pacatas madrugadas, isentas de balbúrdias barulhentas, a solidão deita sua soturna majestade sobre a rua que dorme em profundo relento. A solidão da rua emana um silêncio que não é de morte, nem abafado. É um silêncio livre que corre de manso velando as frestas das janelas, a frieza das telhas, as folhas que caem, e, caídas repousam inertes, paradas no tempo que segue em cochilo. 
A solidão da rua respira a clorofíla que se resvala nos becos e batentes, que vai penetrando no rijo dos póros do asfalto resfriado. A clorofíla que em seu mais alto ápice embala o bêbado em seu sono ignorânte ao frio e  vai inebriando os secretos passos dos felinos que guardam tal solidão alheia em si.
A solidão da rua é uma fera que dorme quieta em cumplicidade com a solidão da lua. Vociferando sonhos multi-ininteligíveis, devorando barulhos, executando ruídos, absorvendo os mistérios de cada pegada deixada em poeiras acumuladas. Ela pesa macio no repouso do cachorro esquecido entre sacolas gordurosas. Solidão que embeleza o imaginário aurático das formas e sombras, das luzes amareladas dos postes em sentinela que banham as copas  compondo uma tela estática, porém, latejante que balbucia algo no inconsciente. Algo que habita no turvo das árvores, nas saliências pitorescas das calçadas, na espreita dos arbustos, abertas à interrupções e acontecimentos. No silêncio fechado das flores que aguardam o sol.
 Um balbucio calmo que espera um crime silencioso, uma rajada mecânica cortante no ar, gargalhadas explosivas, uma transa espontânea, o suor gelado; orvalho danado que esquenta a carne convulsa, cujo gemido abafado, agoniado respeita o silêncio tranquilo da solidão da rua.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

De sonho e de sangue

De sonho e de sangue
Os personagens dessa tragédia são factuais,
porém, algumas situações são fictícias.

Era mais uma dessas manhãs de domingo onde o sol estava meio morno e a ressaca não castigava tanto assim. Poucos carros, sacolas de pão, baganas de cigarros acumuladas na frente do bar que dormia exausto e pequenos montes de lixo ensacados nas quinas das calçadas. Não tão longe da parafernalha cangacenta do nosso velho Filipão, a agradável temperatura dourava o imponente bucho nu de Sitônio Silva "Seixas" que se encontrava na porta repousando o pesado corpo repleto de morrinha pós-álcool no pano verde de sua "cadeira preguiçosa". No chão, ao lado, havia uma jarra de vidro cheia de suco de uva com cubos de gelo - Esse era um procedimento pradrão tomado nas desidratadas manhãs dos finais de semana. Do meio da rua se podia ver dentro da pequena sala de estar uma televisãosinha cor-de-rosa, daquelas da xuxa, conectada à um aparelho de DVD. Dela saia a trovejante voz do Zé Ramalho. Canção agalopada. O sol continuava perfeito e corria um vento manso causando-lhe uma sensação de frescor já que estava sem cueca, vestindo apenas um short fino e não mais preto do vasco da gama. Espantava, pacientemente, uma mosca teimosa que tendia a pousar na boca da jarra. Olhou para o rumo da Praça União. Mais precisamente para o boteco do "pêxe pôde". Reconheceu uma figura familiar que de lá vinha. Era uma criatura cambaleante, magra, de cara fina, olhos esbugalhados e topete bagunçado. Parecia mais um enorme facão "língua-de-péba" ambulânte que se envergava pra lá e pra cá. Aproximou-se.
- E aí, Sitõe, beleza, cara? - Perguntou, meio que travando a voz, o bêbado.
- Fala, el Tabôsa - Saldou-o, bricando com um sotaque espânico.
- Tu viu o Cabecinha por aí?
- Não. Acabei de me prostá aqui na calçada pra pegá um sol bem!
- Porra, eu liguei pra ele faz é hora. Falei que tava lá no pêxe pôde, esperano ele. - Disse rápido com um ar sério.
- Ôxe, liga pra ele de novo. - Sugeriu o Sitônio enchendo o copo com suco.
- A bateria des... carregou. Tu... tem cré... crédito aí, cara? - Gaguejou sentando-se no meio fio.
- Tenho. Qual é o número?
- Êita, porra, num tenho de cabeça, não. E o ce... celulá descarregou... e agora? - lamentou o Tabosa com cara de cachorro que caiu da mudança.
- Agora ficô ruim de mexê, mérte! E o que era que tu queria com ele?
- Só... só tomá uma com ele.
- Rapá, que diacho de cachaça é essa? Tu tá derde ontem bebeno. E esses carrapicho, aí na tua calça? tu andô aonde diabo?
- Sei lá, cara. Acho que foi quando eu tava com o Alain lá na bêra-Rio.
- E cadê ele?
- Me dexô no pêxe pôde e sumiu no mundo - disse abanando os braços e olhando pra jarra - Ê, Sitõe, eu... eu posso tomá um pouco desse vinho, cara?
- Num é vinho, não. É o meu nécta salvador - levantou o copo para o alto, depois passou pro Tabosa - , é a mais bela glicose.
- Égua, cara, tô precisando, mermo desse nécta, hahaha... - sorriu, abobalhadamente mudando, logo, a feição.
Ao vê-lo sorrir, Sitônio lembro-se do que haviam falado, certa vez, à respeito desse sorriso que "parece um pangaré magro". - E o cabecinha tá aonde?
- Num sei, não!
- Sim, e tu só bebe se fô cum ele, é?
- É porque eu tô liso e ele disse que tem um trocado, aí. - passou a mão no topete pontudo e concluiu com lamento - Bicho, eu gastei tudo, Sitõe.
- É, mérte, acontece. Eu queria tomá uma, também, mas tô falido. Ontem rolô um aniversário, aí no Claudete. Era dum metalêro. Pense num magote de metalêro junto? Tudo cabeludo, lôco, lôco, lôco, como diz o Josééélio.
- E tu tava lá?
- Marrapá. Nunca tinha visto um negóço daquele alí no mundo, não. Tinha umas música lá, que o cara cantano parecia um porco seno capado. - Disse levantando-se lentamente e se espriguiçando. - Pega uma cadêra e senta, vô dá um mijão. - atravessou o estreito corredorzinho que dava para a cozinha. Coçou o saco por um bom tempo. Sorriu ao lembrar da eterna pira piscológica do Lambal. Ao retornar, se deparou com o cabecinha sentado na garupa de uma bicicleta meio acabada.
- Ó, o cabecinha da minha pinta!
- Fala, Sitroën.
- Fais hora que o Tabosa te espera pra iniciar os trabalhos.
- Iniciar? Essa miséra tá na rua derde onte, bêbo cego.
- Ê, Cabecinha, eu tô de boa, cara. E aí, vamo lá?
- Lá aonde? Eu tô liso macaco.
- Ê, Cabecinha, tu disse que tinha grana.
- "Tinha". Falô certo. Minha Vó levô tudo pra fazê a fêra.
- E agora, doido?
- Agora ficô ruim de mexê. - respondeu, Sitônio pondo a cadeira preguiçosa pra dentro. O sol já começava a arder. - Vamo pra dentro... o Tabosa tá afim, mermo de bebê. Espera aí que ainda tem um pôco de tandrílio, aqui. - Sumiu no corredorzinho cantarolando Love me tender, do rei.
- Que diabo é, Cabecinha? - perguntou, Tabosa notando que ele estava olhando-o com desaprovação devido ao seu estado ébrio e amarrotado - E tu, Cabecinha... quem é tu pra falá aguma coisa?
- Oxente, menino, o que é que eu tô falano?
- Eu sei, Cabecinha, só de olhá esse olharrr, aí, de s... s... de sensura - Reclamou balançando o topete. - Logo tu que bebe pá caralho.
- Sim, lôco véi, eu tô calado, aqui. Tá fincano é doido.
- É, né? Anhã, tá bom! Pensa que eu num sei que tu ficô só de cueca, um dia, ali no Claudeci?
- Sim, tava chuveno. Pió foi o Jairo que ficô foi pelado, correno no mêi da rua. Ele tava cum a cueca no ombro.
- Alguém viu? - perguntou se dobrando na cadeira.
- Ôxe, a galera toda que tava lá.
- Hahaha... Caralho! Ê, Sitõe, tá sabeno dessa do Jairo?
- O quê? - perguntou trazendo uma garrafa de Slova abaixo da metade.
- Que o Jairo andou pelado na rua?
- É um insano. Eu tava lá. Até banhei na chuva.
- Bicho, ele ficô peladão, mermo?
- É um doênte. Só fez jogar a rôpa no ombro da Natália e saiu pulano igual macaco, na chuva. É um doênte.
- E a Natália num falô nada?
- Falá o quê? Ela faz é gostá dessas depravação dele.
- Sim, cadê os copo? É pra bebê no gargalho, mermo? - resmungou o Cabecinha fitando a garrafa posta numa mesinha no centro.
- Muita calma, nessa hora. - disse, Sitônio trocando o CD. Foi buscar os copos.
- E onde era que tu tava? - perguntou o Cabecinha encostando a bicicleta no pé da porta.
- No Pêxe Pôde te esperano.
- Não, animal. Antes de ir pra lá.
- Acho que apaguei no carro do Alain.
- E cadê aquele lôco?
- Sei não, cara. Acho que ele foi dormir.
- Pega, seu animal - Passou um copo de extrato de tomate limpo pro Tabosa. - Qué também, cabeça da minha pinta?
- Claro. E bota um pôco desse suco, aí.
- Suco? Ai ai ai - Sentou -se apontando a direção da jarra - Tá aí, ó.
- Ê, Sitroën, tu tem que me serví, porra, eu sô visita.
- O cú tu num qué dá BEM, não?
- Bicho, eu tô brocado, num tem algum tira-gosto aí não?
- Ahhh, oí Tabosa, ele qué pãozin e leitin. Tu num qué um gomoso bom, não?
- Vai te lascá, disgraça.
- Ê, Sitõe Silva, só tem isso aí de vodka? Isso aí num dá pra nada não, cara. - alarmou o Tabosa, preocupado com a pouquísima bebida.
- É o que nós temos, mérte.
- Ê, caralho, tu tem quanto aí, Cabecinha?
- Setenta e cinco centávo!
- E tu Sitõe?
- Nada.
- Rapá, Sitõe, vê aí, porra.
- Vejamos... Vô averiguá nos cofres da família Corleone. - Sumiu, novamente, no corredorsinho.
- Ó o Helto alí. - Tabosa gritou pele janela - Ê, Helto, vem aqui, cara.
Surpreendido pelo grito, Elton se virou e aprumou a visão pra ver quem era. Reconheceu o Tabosa e atravessou a rua balançando a cabeça negativamente.
- Bicho, Tabosa, tu já tá bêbo, de novo? - Chegou na porta e viu o Cabecinha encarcando vodka goela a baixo. - Ó o diabo. Cabecinha? Que diabo vocês... Meu Deus.
- Tá ino pra onde, doido? - pergunta Cabecinha.
- Lá pro The pêxe pôde club band, tomá umas de abacaxi e curtí um som.
- Não lôco, vamo tomá aqui na casa do Sitõe Silva.
- E o que isso que vocês tão tomano?
- Vodka com suco de uva.
- Sim, minino, já tá é acabano!
- Agente tá fazeno uma vaquinha pra comprá ôto líto.
- E já tem quanto?
- Eu consegui encontrá dois conto no bolso da bermuda do Cássio. - disse estendendo a nota pro Cabecinha.
- Quem diabo é Cássio?
-É um cidadão que divide, aqui, comigo a onda.
- Tu tem quanto aí, Helto? - pergunta Tabosa.
- Rapaiz, eu tô fraco.
- Que nada, Helto. Tu acabô de dizê que ia bebê no pêxe pôde.
- Sim, minino, era cachaça num era cerveja, não.
- E quanto é que tu tem disgraça.
- Hohohohoho.... - Sitônio gargalha em estridências ante a impaciência de Cabecinha.
- Só tenho 3 conto, porra. - Helton puxa do bolso uma nota de dois e duas moedas de cinquenta centavos. - Pega besta-fera. E o Tabosa num deu nada?
- Tô liso, cara.
- Rapá, Tabosa, tu é um lixo, mermo.
- Sim, meu amigo, vamo fazê a contabilidade, aqui. - Sitônio junta toda a merréca - Temos exatamente cinco reais e setenta e cinco centavos.
- E qanto é o líto de slova?
- Uns sete reais, no maximo.
- Que diacho de brêfo é esse?
- No mundo num tem não, mérte.
- Me dá essa porra, aí. Vô lá no pêxe pôde comprá. O resto eu dêxo no "F" cum o Lorival. - Helton pega o dinheiro  e sai em passadas largas.
- Ê, sitõe, esse cara que mora aqui contigo é do Amarante, também?
- Lógico, meu amigo. Tem que ser.
- Rapaiz, eu acho que em todo condomínio de Imperatriz tem esses amarantino pau-de-bosta. - brinca Cabecinha. - Na UEMA tá é chêi.
- É mermo. - Concorda Tabosa.
- A colônia amarantina dominará o munnndo. - serra os punhos, bate no peito e grita rasgado - A minha identidAAAde.
- Bicho, cara, lá num tem vodka não. - lamentou Helton na porta. - E agora?
- Agora ficô ruim de mexê. Definitivamente.
Na janela aparece a cara seca do Josélio Jhon Joe.
- Faaaala, bando de va-ga-bun-dos?
- Ó! Joséééélio Barroso.
- Barroso é teu pai, fie de rapariga.
- Hohohohoh - a gargalhada de Sitônio fez todos rirem.
- Que diacho é que vocês tão inventano aí, Rapaiz?
- Rapá, agente tá tentano juntá uma grana pra comprá um líto. Tem alguma ajuda aí?
Jhon joe começa a assoviar alto, enfiou a mão no bolso e jogou pelo lado de fora um papel embolado. Depois sumiu sem mais nem menos.
- Que diabo é? É pedra? - pergunta Sitônio, rindo.
- É dois conto, doido. - gritou Cabecinha como se tivesse ganhado na loteria.
- O Josélio deu dois conto? Ohh, meu Deus! quem trabalha o povo qué de novo, meu povo!
- Vai lá Cabecinha comprá a parada. - mandou Helton.
- Nã! Marrapá, quem vai é o Tabosa, ôxente. Ele num deu nada.
- E tu deu muita coisa, num foi Cabecinha? Só umar mueda véa.
- É tu mermo, Tabosa. Vai logo, disgraça.
- Porra esses cara são foda pra caralho. - resmungou pegando o apurado e socando no bolso da calça. - Sim... e onde é que eu compro?
- Onde é sitroën? - pergunta o Cabecinha trocando o CD.
- Rapaiz... naquele supermercado, alí... quase em frente o sacolão central.
- Ah, sei. Lá na Simplício, né?
- É, miséra. Vaza logo. Vai na bike do Cabecinha.
- Ê, cara, tem frêi, tem?
- Satanais, bicho! Tem, porra.
Tabosa subiu na bicicleta embaraçosamente. Lembrou à todos um cavaleiro atapalhado que tenta montar um cavalo "brabo". Todos foram pra porta olhar. Bombiou um pouco na arrancada. Conseguiu o equilíbrio necessário. Dobrou a esquina.
- Depois que apruma num cai mar não, maluco. - Assegurou o Helton.
- Porra, Cabecinha, por quê tu tirou o Zé, a lenda? - perguntou, Sitônio com desaprovação.
- O que mais tem aí?
- Tem coisas lindas.
- "Coisas lindas"! Ai ai ai, parece que é emo.
- Rapaiz, os emo vão dominá o mundo, mermo? - ironizou de forma triste, Sitônio.
- Bicho, tá em todo lugá, esses troço ruim. Daqui uns dia tão no Amarante.
- Daqui uns dia? Já tão, e é beeem, moço!
- É mermo, Sitõe? Rapá, que diabo é isso?
- O pau que rola lá e emo e a peeedra, mérte.
- Pió, bicho. A pedra tá acabano cum tudo igual potaça.
- Rapaiz, qual é o propósito dos emo, mermo? Assim... O que diabo eles são? O que é a identidaaade emo?
- Dá o cú, mermo. - Disse Cabecinha olhando o estojo de CD's.
- Bicho, os emo é a maior nojêra do mundo. Eles não tem nenhuma ideologia, só istíca o cabelo cum sebo de bode, só pode, cola num lado da cara, põe umas calça colada, colorida e ouvi NXZero e Lade GaGa. Eles fica só de grupín nos canto chorano as dores de suas fraquezas. - explica, Helton.
- Rapá, e comé que guênta andá cum aquelas calça espoca-ovo? Moço, alí se dé um peido o fundo da calça saca fora.
- hahaha - Cabecinha se acaba em gaitadas.
- E eles fode, será?
- Fode porra nenhuma. Alguns fala que num tem sexo, não. São como anjinhos delicadinhos.
- Ah, meu pau no leite de côco. - resmunga, Sitônio.
- E outra. Ainda por cima, esses nojento pegaram o visual de um monte de movimento e tendência do passado. Robaram dos punk, dos metal, dos mode e o caralho. Misturam cum os nerd e os dragqueen. Aí, deu essa porra, aí.
- Tem uns que robaram, também, o corte de cabelo do Chitãozin e Chororó dos anos 80.
- É mermo, bicho. É igualzín àquela nojêra.
- Bicho o Tabosa foi comprá esse líto lá no Amarante, mermo? O que o Sitõe trôxe só deu uma dose véa pra cada.
- Porra, Cabecinha, tu tirô o som de novo, miséra? - reclamou, impaciênte, Sitônio
- Peraí, porra. Xô vê o que é isso aqui.
Era Fagner. Sangue e pudins.
- Pode dexá aí, mérte. Meu Deus. Essa música é uma rajada na alma. É uma lapada no meu pâncreas. - Disse com o rosto e os braços estendidos pro alto. - Essa música é do Zé Ramalho, só que essa versão é tu-do, no universo. Na galáxia. Zé Ramalho é um centauro mitológico.
- Prefiro o Alceu. - Coloca, Helton.
- Eu também. - Reforça, Cabecinha.
- É não, mérte. Num pode.
- Não... Tipo assim - tenta suavisar Helton, - Os dois são equiparados. O Zé é melhor pra fumá maconha e o Alceu é melhó pra bebê e indoidá.
- É. Sendo assim, pode sê.
- Ê, Sitõe, tem belchior nessa miséra, não?
- Acho que é esse aí que tá na tua mão.
- Hehehe... Citãozin e Chororó! Ê, disgraça, esse bicho é muleque. - Lembrou Helton da comparação feita por Sitônio.
Cabecinha pôs o CD. Começou com a palo seco. Houve um breve silêncio por força que tal música lhes causava. Tabosa apareceu na porta, suado. Ofegante. Trazia a garrafa de vodka. Helton notou uma grande raladura em seu ante braço.
- Que diabo foi isso, Tabosa?
- Tu foi comprá esse líto aonde, satanais? - perguntou o Cabecinha.
- Tu foi pisano no zovo? - Sitônio perguntou.
- Vão se lascá,vocês tudim. Eu sofri um acidênte, cara.
- Como foi?
- Eu tava ino na rua quando eu vi o meu pai no carro bem na esquina da Benedito. Aí, eu me espantei e apertei o frêi da frente. O pneo de traz levantou e eu me lasquei no chão.
Os outros se olharam, por um momento, e cairam na gargalhada. Tabosa, na porta, ficou com cara de jumento olhando. As gargalhadas pararam. Ele olhou pra raladura e disse:
- Mais eu num dêxei o líto caí. - passou a dar gargalhadas sozinho.
- Me dá esse líto aqui, cara de pangaré. - disse Helton tomando a garrafa da mão do Tabosa e pondo na mesinha.
- Ê, Sitõe, faz o suco, lá.
- Já tem feito. Tá lá na geladeira. Péga lá.
- Não. Dêxa que eu pego. Vô dá um mijão, mermo.
- Ao passar pela salinha, Tabosa tropessa no pé do Helton e, parecendo uma palmeira, pende, lentamente, pro lado, caindo e buscando apoio na mesinha. A garrafa balançou e se estilhaçou no chão. Ficaram alí, assistindo a vodka se espalhar pela cerâmica velha ao som de a palo seco. Mais precisamente ao som do nostálgico sax atemporal e longínquo de a palo seco.