Vegas no tucupí
No banheiro de uma ordinária casinha, não muito aconchegante, proxima ao mercado do Ver-o-peso, um velho enorme e gordo estava sentado no vaso arriando um barro escuro. Limpou-se, suspendeu a bermuda surrada e se pôs a olhar o quão era preto o barro arriado no fundo do vaso. "Ê açaí forte do caralho", pensou antes de puxar a descarga.
Pegou o copo de uísque na pia e voltou pra sala. Sentou na mofada poltrona. Silvio santos tagarelava na TV. Tirou as botinas que lhe apertava os dedos e beliscou a costela de uma pescada frita num prato em cima de um dos braços da poltrona. O gato estava sentado. Olhos vidrados no prato. Ele olhou ao redor. No chão. Levantou cada lado da bunda. "Cadê a porra do contole?". Odiava o Silvio e suas piadas com cédulas. "Prefiro a merda do Sulivan, apesar de ser um babaca fanfarão". Deu uma talagada no uísque e meteu o rabo do peixe na boca.
- Tu não vai pegar os pato, não?- gritou uma voz estridênte e envelhecida da cozinha.
Ele fez que não ouviu. Estava extremamente desgastado com aquele maldito ritual diário de matar patos para cozinhar no tucupí. Já odiava os patos. Odiava aquela vida de restaurante.
- Te levanta daí, homi. Para de bebê e vai matá os pato. Já tá ficando tarde e tem muita encomenda pra amanhã.- Reclamou a mulher aparecendo na frente do Silvio tagarelando piadas em cédulas.
Ele baixou a cabeça e coçou as costeletas grisalhas. A careca estava vermelha e banhada de suor. Nem ousou olhar no rosto daquela mulher com um avental encardido e uma aparência encardida pelo tempo e pelo trabalho. Respirou fundo.
- Já vou. Tô terminando, aqui.
- Ah, tá. Como se isso terminasse algum dia.
- Relaxa, baby, eu...
- RELAXÁ? Eu tenho que dá conta de tudo nessa casa e no restaurante. E tu só fica bebendo e se entopindo de comida. Pra se levantá é a maior luta do mundo.
Ele encheu o copo e afundou na poltrona. Ela se sentou na cadeira e continuou:
- Tu pensa que eu não sei que todo dia tu fica se martirizando pelo passado? Tu tá velho, homi. Já passou. Sei que me odeia por isso, mas eu não tenho culpa. Eu não te obriguei a forjar a própria morte pra vim pra cá torrá todo aquele dinheiro com besteira. Tu que dizia que tava cansado daquela merda toda.
Levantou-se e foi pra cozinha ver as panelas. Ele foi mijar. Na volta viu o controle. Mudou o canal. Caiu no fantástico. Um palhaço sorridente apresentava o novo clip do Zezé di Camargo e Luciano com um cantor estrangeiro. Era um velho camado Willie Nelson. Cantavam Always On My Mind. Era o fim da picada pra ele.
- Vamo, homi, tá ficando tarde!- gritou a mulher cortando as verduras.- Não vai dormir de novo com o copo na mão.
Acendeu um cigarro e começou a mexer o tucupí que começava a ferver no tacho. Pegou um copo d'água que não chegou a beber, pois o largara no ar de um supetão devido ao estampido que veio da sala. correu para ver o que era.
- PELAMORDEDEUS, o que foi isso, Elvis?
O velho havia dado um tiro na televisão. Estava ali, sentado, rindo serenamente com o copo de uísque numa mão, na outra um imenso revolver cromado soprando um resto de fumaça pelo cano.
- Preciso voltar pra Vegas- balbuciou com a cabeça da pescada na boca.