quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Marginólia


Marginólia

O menino criava formigas num aquário cujo tamanduá do menino vizinho deixou dizimado. Já bem gordinho, o tamanduá do menino foi bem cozido pelo velho ao lado e seu gato rajado. Num grande vacilo, o peludo bichano foi abocanhado pelo ódio afiado do cão de um fulano. Virado o zetélo de tão revoltado, pegou um cutelo, o velho do gato, lapeou o fulano o deixando estirado. E ainda a vingar o felino parente, o velho sem dente comeu o finado. O pai do menino a chorar no aquário prendeu o velhinho a viver sedentário. Por ser um "puliça" de bom cidadão, algemou os caniços do pobre ancião. Sem saber os vizinhos de sua meta a alcançar, matou o pai do menino a sofrer pelo tamanduá. Alegou que é ilegal ter criaturas esfomeadas que saem por aí comendo formigas importadas. E de quebra, tomou o órfão sofrido, comendo a sua esposa e alimentando o novo filho. A viúva, agora, com um "consolo" inédito, sorrir para o vento a comer seu cartão de crédito.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Fonda, Hooper e o Lecoleco

Um Fonda, um Hooper e o Lecoléco
À meu amigo Dr. Oscar


BR010. Setor da Lagoa Verde. À tarde, sob um céu nublando, dois andarilhos suam na beira da pista. Um traz nas costas uma imensa mochila jeans desbotada, uma das bocas meio aberta revela parte da garrafa de Ypióca já inaugurada. O outro carrega seu "trampo" envolto em um mofado mostruário preto com finos canos desmontados.

- Caralho, brother, aquele rango que a gente filô naquele tal assentamento California pesô legal, aê.
- Aquele brow lá, da cadeira de roda foi sangue bom pra caralho, bicho. Comé o nome dele, mermo? Zé Claudio?
- Zé Luis!
- Pô, ele considerô um rango de reponsa, aê.
- Comé, mermo, o nome da parada?
- Um tal de cham... chami...
- Chambari, cumpade.
- Ééé, pode crê.
- Do caralho, mermo, me deu foi até sono, velho.
- Pió.
- Porra, aqui é mais quente que Fortaleza, doido.
- É. Mas, eu te passei a fita, maluco. Tu nunca sai do sul.
- Porra, e é porque tá nublando. Ó minha cor, velho. Tô parecendo um camarão.
- Camarãozão, aê. Vô te fumá todão. Hahaha.
- Então vamo botá um em baixo daquela mangueira, brother. Maó sombra fresca, cumpade.
- Pode crê, truta. Também tô mortão, aí.

Despejaram suas tralhas e se sentaram ao pé da arvore. Suspiraram o cansaço. Um pegou uma barrafa de água na mochila enquanto o outro bolava o da tarde.

- Aê, brow. A gente devia trampá com morango, aqui.
- Comé, rapá?
- Moran... morango, bicho. Aqui é nordeste. A galera daqui não deve ter fam... familiaridade com essas parada, não. - Disse passando a bola pro outro.
- Pod... crê, doido. O nosso artesanato só tá dando pra bancá fumo pôco e os PF.
- Porra, velho, lá vem uma viatura.
- O quê?
- apaga o bagulho e joga fora.
- On... onde?
- Os alemão, tão vindo, doido.
- Porra, maluco...

O hippie tomou o basiado rapidamente da mão do outro e rebolou atrás de uma moita. A “viatura” passou direto. Era uma ambulância em atividade de emergência.

- Caralho, bicho, tu alarmô a parada por causa da SAMU? Puta merda, doido, cadê o camarão?
- Joguei atrás dequeles arbusto, ali. Foi mau. To indo buscar.

Correu o hippie atrás do prejuízo na pressa de evitar mais desperdício de um basiado ser consumido pelo nada. Rodeou toda a moita sem encontrar nada. Pediu apoio ao outro que se apressou motivado pela fissura. Caminharam em rumos diferentes pelo mato. Começavam a ficar intrigados. O hippie parou à beira de um lameiro fétido. Viu algo se mexer atrás de uma bananeira. Tentou ver o que era. Aproximou-se e viu um porco de costas. Sentado. Estava coberto de lama.

- Bicho, tem um porco aqui – Gritou pro outro.
- Porco não, Lelé! – Soltou o porco se virando com o resto do basiado na boca.
- O quê? – perguntou o outro.
- Tem um porco, aqui, e ele ta fumando nossa parada.
- Porco não, caralho, Lecoléco.

O outro chegou confuso e espantou-se ao ver o porco queimando a última ponta do bagulho.

- Égua, cumpade, essa é da prensada de Pernanbuco, né? – disse, bolando no lameiro.
- Porra, brother, é muita onda, velho. – riu o hippie boquiaberto.
- Pio, brow. É muita loucura no cabeção, aê. Pode crê. – Afirmou o outro.
- “Nhem, nhem, nhem, bróder”. Ah, meu parafuso no leite de côco, só podia sê dois hippie chêi das gíria num sutaque caipira lá de Goiânia. – resmungou o porco saindo do lameiro.
- Não, velho, eu sou do Rio e o moleque, aqui, é de Santa Catarina.
- É tudo um bando de pau de bosta igual aqueles cumedô de piquí que usa bota e fivela maió que um pires. E o pió é que quanto maió é a fivela menó é o pau.
- O que é piquí? – pergunta o hippie.
- É um caroço igual buceta. – responde o porco.
- Como assim? – o outro.
- Fede pá daná, mais é gostoso. É uma música sábia.

Vão para debaixo da mangueira tomar um pouco da Ypióca. Os dois perceberam que o porco parecia perdido em pensamentos distantes.

- Ê, porc... é, Lecoléco. Toma aí uma cachacinha com a gente, brother.
- Não, num bebo, não.
- Tu é daqui, mermo?
- Sô daquele lamêro, lá.
- Pode crê, aí. Boto maó fé, sangue bom.
- Rapá, me diz uma coisa, aqui. Por quê que hippie, viado, e estudante de humanas tem um jeito só deles de falá? Tem é curso obrigatório pra isso? – pergunta o porco olhando o “trampo” deles.
- Como assim?
- Vocês num fala só de um jeito só? Chêi de gíria? Os viado  nem precisa falá.Também, tudo do mermo jeito. E os universitário metido a intelectual que quando cunversa parece que tão cantano um pro outro na merma intonação. Até os gesto e as expressão. Aí eles fica tetano demostrá que cunhece a obra de fulano mais do quê sicrano, que o cinema de num sei quem tem num sei qual istética representano num sei que merda, que o Chico fez uma bossa misturada cum samba pra não sei quem  diabo. Aí, no final tão tudo bêbo agino como se fosse um bando de vagabundo analfabeto que vive chapado na lápa daquele tempo. Sem falá no vocabulário que parece que tiraram duma  espéci de cartilha universal de merda para paunocusar em mesa de bar.
- Ah, velho, cada tribo tem sua identidade de linguagem. Tu nunca foi de nenhuma tribo, não?
- Nã, eu nunca fui índio.
- Ah ah ah... o porco é o maó tirão, aê.
- Já falei. Lecoléco, felá da puta.
- Foi mau, pacêro.
- Vocês tão indo pra onde?
- Bicho agente acabô de chegar de Fortaleza e vamo vê a de qual é, ta ligado?
- Fortaleza? Ouvi dizê que lá tem puta pá porra.
- Ah, velho, tem em todo lugar. Mas, lá é legal.
- E cês vieram pará aqui como?
- Um caminhoneiro de Mato Grosso tava lá e vinha pra cá. Aí ele deu carona em troca de maconha. Muito doido o figura, meu. A gente veio curtindo autos sons.
- Pió, velho. Muito doido mermo.
- Aí, cês tão indo pá Imperoza?
- Pode crê. Tu sabe a de qual é da cidade?
- Não. Mas, tem hippie, viado e universitário, aí.

Acenderam outro. Maior ainda. O porco era um dragão. Dois prensados em um curto espaço de tempo tornou o clima incomum. Um se sentou, recostando-se na mangueira. O outro se deitou no capim. O porco se apoiou em um velho pedaço de concreto. O efeito da segunda já afetava a comunicação.

- Eita, pernanbucana nojenta –, o porco.
- Quem? -, o hippie.
- ora, quem! – o porco.
- O basiado, animal. – O outro.
- Cadê? – O hippie.
- Ta com o porco. – o outro.
- Felá da puta... – o porco.
- Lecoléco, Lecoléco. Foi mau. – o outro.
- Passa aê, Lelè. – o hippie.
- Tá cum o... o Romário, aí. – o porco.
- Prfnn... vai chuvê? – o outro.
- Sei lá e tu? – o porco.
- Passa, caralho. – o hippie.
- Toma, aê, brow. – o outro.
- Me joga um colá de tucum aí, moço. – o porco
- Escolhe aê, brother. – o hippie.
- Aí, tu é um suino sangue bom. Vamo tocá o bonde. – o outro.

Se puseram a andar no acostamento.

- Aí, Lecoléco, o que tu acha da gente vender morango aqui. Será que dá grana, cumpade?
- Sei lá. Prefiro manga de fiapo.
- Manga de fiapo? Como assim?
- Dêxa pra lá, doido.
- Porra, velho, a gente tem que arranjar água. Ta acabando. Onde é que tem posto aqui perto, Lelé?
- Bim li, na frente, tem o posto avenida. De noite, se vocês passá lá, cuidado cum as puta. A maioria tem uma estaca de aroeira dento da calcinha.
- Hahaha, é só o que tem no Rio, doido. Sô malandro velho, truta.

De súbito, o porco gira os cascos e volta pelo mesmo rastro sem dizer nada. Os dois param olhando o porco ir embora com seu colar de tucum novo.

- Quê que ta rolando, Lecoléco?
- Vô voltá pro meu lamêro. To cum sono.

Olharam-se e balaçaram as cabeças sem entenderem nada. Continuaram seguindo.

- Pô, o porco aê é sangue bom.
- Porco não, Lecoléco.
- He he he...pode crê
- "Fede pá daná, mas é gostoso", Será que aqui tem essa fruta?
- Deve ter, velho. É Nordeste. Nordeste é muito doido.



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Virgulas de um quarteirão bacuriense

Vírgulas de um quarteirão bacuriense

Barulho às oito da noite de sábado no quarteirão  turbulento onde enraíza o condomínio cujo kitnet de cima sustenta uma gorda de bobes e camisola amarela  a rebolar um vaso de cactos rumo ao atrasado marido bêbado que  desviando-se rapidamente desequilibra o bicicleteiro e seu cambio de mandis "cabeça-de-ferro" oscilando de encontro à boca  bafenta do vira-lata  preocupado com a impaciência de sua cadela parida já cansada de latir para o tecno-brega enxotado grosseiramente do porta-malas de um zoadento goiano odiado por sua patricinha zonza a vomitar uma substância verde-cana que escapole ladeira a baixo pelo asfalto empoeirado fazendo escorrer em consistência nas frestas latentes de minhas etílicas sensações.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Palhaço

Palhaço

Um gato rajado deu uma pirueta de trezentos e sessenta graus no meio da rua, ao ouvir três estouros. Um palhaço tombou morto no meio fio com três tiros no rosto. Sua maquiagem tornou-se um vermelhão fresco. Gritaria. Eram quase quatro e meia da tarde. Um sábado. A música era alta. Vomitada do porta-zoadas de um carro que animava o churrasco no caseiro boteco de sempre. O palhaço encostara ali a insistências de seus velhos bêbados de infância.
Teve uma vida difícil pra não dizer subumana. O pai tocou para Serra Pelada na promessa de trazer uma bolsa de couro cheia de mudanças confortáveis. Nunca voltou. A mãe era "fateira" no matadouro. Nas horas vagas catava trouxas de linhos sujos das patroas para lavar. Estudou a ponto de saber ler e escrever. Sempre tinha problemas com as professoras. Achava-se melhor do que elas. Notara-se que era aspirante a mestre na arte da lábia. Tornou-se líder entre a molecada da rua. Sempre a frente em missões como roubar manga ou galinha da velha viúva do bairro. "Donde é essa galinha, minino?", sempre perguntava a mãe, torcendo a roupa. As desculpas eram das mais originais.
Largou a escola e foi vender quebra-queixo. Precisava de umas "becas" e um boot. Na lábia, perdeu a virgindade em brincadeiras infantes. Fez-se homem por si só com o cabresto quebrado. Viu um circo visitante. Na lábia, conseguiu um afazer naquele mundo novo. “Mãe! Arrumei um trampo, vô vazá”. Foi. Oito anos no trecho. Voltou como palhaço. Não tirou mais a maquiagem nem as roupas largas. Tinha perdido a identidade por escrito na extensão do trecho corrido. Só era apenas o Palhaço. Com o dinheiro acumulado, comprou um velho trenzinho da alegria. Sucesso estourado. Fez família sem ver. Só gostou quando o “cabeção" veio à luz. Bebeu que mijou nas largas calças de bolinhas vermelhas. Foi carregado num carro de mão para a recepção esbravejante da sogra.
Em tempo de eleições, alugava o velho trenzinho nas campanhas. Tornou-se cabo eleitoral. Puxava muitos votos  no boca à boca para os patrões. Era o Palhaço. Tinha a mestria da lábia.
Uma ficha lhe caiu no orifício da distração ao esbarrar em um velho ébrio que, arrotando cana em sua maquiagem, sugeriu um cargo de vereador. Gostou da proposta ao analisar a quantidade de forasteiros que sugavam suas bandas. Lançou-se candidato para orgulho da esposa e seu nariz arrebitado. Fez intriga com os velhos patrões. Fez-se um patrão por orgulho de ser servil. O trenzinho agora carregava o seu santinho. O Palhaço do povo. Seu boca a boca e pé no chão venceram muitas carreatas fogueteiras, ornadas de uísque e patricinhas com blusinhas amarradas abaixo dos peitos evidentes, escachadas em caminhonetes luxuosas.
Foram dois anos de bons planos e elaboradas propostas na câmara provincial.  Os velhos patrões, agora "companheiros" de "luta", sentiam um desconforto com o "colega" maquiado  tentando trabalhar para povo. Dois anos até chegar a época de mamar. Começavam as campanhas para os candidatos ao governo. Ele percebeu um alvoroço na câmara. Os "companheiros" pareciam varejeiras azuladas em excitação ao sentir uma manga madura espatifada em terreno fértil. Ignorava os zumbidos. Sabia que a atual governadora oferecia leite em troca de sangue. Fechou-se em sua sala. Inevitável. Era o palhaço. Podia arrecadar muitas almas.
Recebeu uma "ilustre" visita representando o governo. Ela lhe trazia um grosso "tijolinho" cuidadosamente amarrado. Olhou-o encima da mesa. O cheiro era forte e fresco. Só olhou sem sequer contar as notas de cem que componham aquele "tijolinho" grosso. Recusou, xingando o "ilustre". Soube depois que cada "companheiro" de "luta" da câmara "mamou" 250 mil pelo sangue dos seus e dos outros. "É melhor por a cabeça no travesseiro e dormir", afirmou para si indo para casa.
Os xingamentos foram dos mais grotescos por parte da esposa, ao saber de sua recusa absurda. A fina dama precisava desse  soberbo pedestal para arrebitar mais ainda seu narizinho.  Fez as malas de qualquer jeito e bateu a porta chamando-o, inconscientemente, de palhaço. Ele riu disso, no sofar. Deixou-a ir. Mais tarde soube pela matraca da sogra que a filhinha conseguiu um emprego de cabeleleira na Espanha.
No dia seguinte ele mobilizou alguns estudantes universitários com panfletos denunciando os "companheiros" que estavam se amamentando de tetas ilícitas. Espalharam por escolas, bares, feiras e praças. Por todos os dias ele gritava por todos os cantos da província. Seu trenzinho  já se tornara um trem de carga a carregar a face maquiada  da câmara provincial.
Certo dia foi deixar seu "cabeção" na casa da avó. Ao voltar para os trabalhos, parou no caseiro boteco de sempre, por insistências de seus velhos bêbados de infância.