terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Manhã de natal

Manhã de natal

  
  De quando em quando, meu espírito natalino se esbarra em alguma tragédia natalina. Geralmente, tais fatídicos letais me vêem com o perfume de sangue e álcool.

Há alguns natais, um conhecido meu esfaqueou dezenove vezes sua esposa numa esquina perto da minha. "Vô matá o diacho dessa muié", resmungou para o dono do bar. O velho Demar. Quem acreditaria em um bêbado de saco cheio de sua companheira?

A manhã de natal desse resto de 2010 foi perfumada com essa peculiar e soturna fragrância traumática. O perfume exalou-se e resvalou-se de forma ainda mais penetrante devido a umas das faces vergonhosas de nossa grande Imperaprovíncia.

Eram nove da manhã. O cara vinha pela Aquiles Lisboa. Vinha em sua Titã envenenada pelo peso de sua aceleração frouxa. Vinha "vuado" como quem vem do "pêxe pôde". Livremente varando os cruzamentos com o poder concebido pelos festejos natalinos. Não conseguiu varar um evangélico Gol branco que vinha em sua preferencial, como quem vem do bar do Gil, na Godofredo Viana. O seu poder de liberdade motorizada não conseguiu varar a porta do evangélico Gol que vinha em sua tranqüilidade. Seu capacete desafivelado ejetou com o forte impacto, abandonado sua cabeça para o rijo asfalto quente.

Ossos estalaram com o forçado pouso em frente ao bar-restaurante-meu escritório Mustang Drink's. Agonizou por alguns instantes em meio ao sangue borbulhante que brotava de sua garganta relutante. Por poucos instantes, até morrer no meio da rua, em frente o lugar onde, pouco antes, bebíamos com o velho espírito natalino. Não havia ninguém na solidão daquele cruzamento em repouso até ser ornado pela mistura de cores entre a Titã envenenada, o evangélico Gol, o sangue alcoolizado e o rijo asfalto quente.

É como se o sangue de um acidente acionase a sede ocular dos plebeus. O enxame chegou rapidamente para o espetáculo horrendo. Aglomeraram-se com uma ânsia de asco sem saberem que aquilo tudo iria demorar por muito tempo. A policia estava lá. Mas, só estava apenas. Os enxames iam se revezando na medida em que o sol ia esquentando e a poça de sangue ia coagulando. O Mustang teve que fechar as portas. Não tinha como os clientes cearem com a imagem de um cara que "morreu na contramão atrapalhando o tráfego."

As horas iam passando. O sol ia secando o couro morto do infeliz. Já estava dando meio-dia. A mãe e a esposa não suportaram ver o querido ente jogado no meio da rua como um presunto de natal servido para a fomentação ocular das platéias que iam e vinham. Uma senhora teve o bom senso de por um lençol sobre o cadáver todo quebrado.

As horas passavam. O mau cheiro começava a dar o ar da desgraça. Já eram quase três da tarde. A exposição continuava a fadigar. As autoridades alegaram que o Homen ainda estava ali pelo fato de o IML só ter uma viatura  que estava ocupada no município de Boritirana. Só uma viatura. Para atender a nossa grande Imperaprovíncia. Um ser humano, pagador de impostos, humilhado até depois de morto, servindo de carne de sol para quem quisesse ver. Enquanto isso a governadora, em nome de toda a sua famiglia, deseja um feliz natal e um próspero ano novo.

7 comentários:

  1. "Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."

    é a triste realidade do nosso mará, cuidados nem com os vivos, imagina com os mortos... agora so resta aos parentes rezarem pelo seu morto do asfalto da manhã de natal.

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  2. Tão triste, tão real, tão comum e tão banal...
    Isso sim é uma Lapada, bem na boca do estômago!

    Que o ano novo seja menos punk, ou trash...

    Enquanto isso, só nos resta sentar e fazer o que gente pode e sabe fazer de melhor, rir das desgraças e ironias da vida (nossas e alheias), bebendo...e gozando das melhores campanhias...ao som das melhores melodias!

    Abraço, meu nobre e estimado marquês!

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  3. Quem morre é quem fica e não quem vai... E o sistema público daqui, infelizmente, ainda é essa merda mesmo. Loteria da vida. Sorte que ainda não foi com um de nós. Fui fazer no Socorrão três miseros pontos no queixo e acabei saindo dela com outra boca. rs!

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  4. uuu o jornalisssta indignado minino... buá, buá, acho que vou chorar iste, iste, acho que fiquei triste... agora ânsia com "c" é de doer.

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  5. Que triste, que trágico, que merda hem!
    Só podia dar nisso... um bêbado andando na contra-mão atrapalhando toda a ceia e bebedeira do Natal fdp!Ei me ensina onde é esse bar ai para eu dar uma passada...

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  6. É, minha nobre professorinha Fabiana, realmente com "c" é de doer. Às vezes não reviso minhas ninharias. Geralmente estou bêbado ou de ressaca ou, ainda, trilhando essa linha tênue entre esses dois estados. Mas, pode sorrir, agora. Para compesar a sua exímia astúcia ortográfica você receberá o meu troféu LAPADA DE NERVO bem lá no centro. Continue assim.

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  7. Ah sim, Loiola, o Mustas fica na Godofredo com a Aquiles Lisboa. Bem na esquina, perto da UEMA que fica perto perto do Claudeci que fica perto do Pêxe Pôde, tmb.

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