segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A solidão da rua

A solidão da rua


Em pacatas madrugadas, isentas de balbúrdias barulhentas, a solidão deita sua soturna majestade sobre a rua que dorme em profundo relento. A solidão da rua emana um silêncio que não é de morte, nem abafado. É um silêncio livre que corre de manso velando as frestas das janelas, a frieza das telhas, as folhas que caem, e, caídas repousam inertes, paradas no tempo que segue em cochilo. 
A solidão da rua respira a clorofíla que se resvala nos becos e batentes, que vai penetrando no rijo dos póros do asfalto resfriado. A clorofíla que em seu mais alto ápice embala o bêbado em seu sono ignorânte ao frio e  vai inebriando os secretos passos dos felinos que guardam tal solidão alheia em si.
A solidão da rua é uma fera que dorme quieta em cumplicidade com a solidão da lua. Vociferando sonhos multi-ininteligíveis, devorando barulhos, executando ruídos, absorvendo os mistérios de cada pegada deixada em poeiras acumuladas. Ela pesa macio no repouso do cachorro esquecido entre sacolas gordurosas. Solidão que embeleza o imaginário aurático das formas e sombras, das luzes amareladas dos postes em sentinela que banham as copas  compondo uma tela estática, porém, latejante que balbucia algo no inconsciente. Algo que habita no turvo das árvores, nas saliências pitorescas das calçadas, na espreita dos arbustos, abertas à interrupções e acontecimentos. No silêncio fechado das flores que aguardam o sol.
 Um balbucio calmo que espera um crime silencioso, uma rajada mecânica cortante no ar, gargalhadas explosivas, uma transa espontânea, o suor gelado; orvalho danado que esquenta a carne convulsa, cujo gemido abafado, agoniado respeita o silêncio tranquilo da solidão da rua.

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