sábado, 19 de junho de 2010

Baião underground


Baião underground






É mais uma manhã de domingo na entrada do velho Bacuri. A calmaria paira sobre as pessoas que, ainda meio sonolentas, vão comprar pão, leite e outros desjejuns propícios. O açougue da esquina já começa a receber seus clientes e as donas de casa vão varrendo a teimosa poeira que tende a se aglomerar nos pés das calçadas. Carros vêm e vão com famílias indo à feira ou visitarem algum parente que já começa a preparar o tradicional "almoção" domingueiro. Algumas delas põem o querido cachorrinho branco pra fora da janela do carro, para que seus luzentes pelos se esvoacem, por pura estética peruêsco-novelêsca. Há, também, aqueles que passam a toda velocidade, com os seus "sertanejos universitários", cujo volume lixonoro falta destroçar a lataria do carro. Vêm das noitadas regadas a muito álcool, putaria e, por fim, a salvadora panelada de cada madrugada.
Alguns vizinhos se encontram nas portas a tagarelarem sobre fulano ou beltrano que se deu mal devido a não sei o quê. Tudo isso vai acontecendo ao som de pardais e bem-te-vis eufóricos nas árvores e fios de alta tensão. Já vai dando 08h:30min, quando esse pacato clima amistoso é cortado pelo som estridente de um velho teclado, conectado a uma caixa amplificadora, que ecoa por toda a vizinhança saturada. As notas que dele saem são extremamente desconexas, lembrando, um pouco, os rockeirúditos Emerson Lake and Palmer às avessas. Tal façanha sonora vem de uma pequena quitanda, que mais é uma bodega de fachada verde e o seu interior consiste em um amarelo meio vivo, pintado grosseiramente. O lugar serve, também, de garagem para um conservado fusca cinza-escuro. Ao fundo se encontram as prateleiras contendo as variadas mercadorias para uso doméstico e as cachaças de variados temperos experimentais. Nas paredes se encontram, pregados, alguns cartazes de velhos safoneiros da região e, curiosamente, logo após a entrada, se encontra um volumoso saco plástico cheio de caixas vazias de remédios.
O proprietário de nome "Filipão", um senhor de uns sessenta e poucos pra setenta, cabelos brancos, olhos verdes, meio alto e cheio de sardas por todo o corpo, começa, com seu teclado posto num balcãozinho tão antigo quanto ele, o que se pode chamar de um ritual de iniciação anuciando que o "distrôço" vai começar. Aos poucos, vão chegando as velhas caras cozinhadas por longos anos de "pinga", e se acomodando nos poucos tamboretes que se encontram na minúscua bodega. Os tocadores começam a chegar, um a um, sempre resmungando algo relacionado aos dias de hoje. Como de costume, alguns engatam uma, logo cedo, e se passam a assistir o velho Filipão apanhar do teclado. Os mais jovens ficam do lado de fora caçoando baixo de sua eterna teimosia pelo instrumento. Os velhos sertanejos e seus calejos vão se apossando cada um de seus instrumentos desbotados pelas surras das festas. Safona, rabeca, zabumba, pandeiro e triangulo são executados em uma rústica harmonia bem elaborada que vai de contraste com os costumes eletrônicos da atual geração forro-pop raparigal. Às vezes aparecem alguns membros da banda municipal fomentando a tradicional bola-de-fogo ou São João da Barra, trazendo sax e tropete para embelazar ainda mais a parafernalha sertaneja.
No centro do círculo de músicos se encontra o microfone, para quem quiser cantar. Pronto. Os copos estão cheios e os tocadores afiados. O tradicional forró do Filipão começou. Nota-se, então, uma grande combinação de estilos que vai do baião, passando belo bolero e indo até o brega rasgado. Saudosistas nostálgicos, jovens e curiosos se aglomeram para prestigiar, bater papo, tomar umas "canas" e até arriscar um bom arrasta-pé. Muitos velhos que, outrora, foram galanteadores dos antigos salões de barro batido, põem suas melhores roupas, geralmente, um blusão xita impecável, calça de linho e chapél de feltro ou palha, para "arrocharem" um xaxado "mordido". No decorrer das horas, a batida vai ficando cada vez mais frenética.
A animação é crescente, e muitos já estão bêbados, tentando acompanhar as letras, mas, sem êxito, pois a aguardente já esporou na língua. A atmosfera do ambiente vai ficando, cada vez, mais caudalosa, devido a quentura do sol, do som e da bola-de-fogo que vai saindo pelos poros dos músicos que se revezam com outros que vão chegando. Os convivas não se deixam abalar pelo calor sufocante do cubículo.
Em determinado momento da festa, como se não bastasse o vasto repertório de pérolas, os velhos levam o calypso da Joelma na sanfona do Gonzagão, e a boemia do eterno Nelson na rabeca cortante de Belchior, fazendo da apresentação uma verdadeira psicodelía do cangaço. Vai chegando a hora do almoço e, alguns,vão correndo mais cedo pra casa, temendo os amúdes resmungos das patroas que amaldiçoam as cachaças de cada dia. Por fim, a embriaguês começa a pesar, pois,o feicho de cana é extremamente pesado nesse calor infernal. Já é quase 1:00 da tarde. Todos se vão saciados. Só domingo, agora.

5 comentários:

  1. Moço, moço, é hora do almoço!!!
    Domingo eu quero ver o forró troar...

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  2. porque 8:30 da manha de um domingo a pessoa nao esta dormindo? ^^

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  3. Agora sim...tava faltando foto para dar um upgrade!!!kkkkkkkkkkkkkkk
    UPGRADE DE CU É ROLA!

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  4. Muito bom o texto, retrata muito bem o dia de domingo por aqui proximo a casa do lendário Filipão. Até domingo que vem.

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  5. Adorei o texto.
    Domingo e Forró ótima combinação.
    Que os Deuses do Cangaço nos Protejam!!!
    Ronnedy -buda-

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